segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Depois da Chuva

Foto: Ronaldo Júnior

Caminhava triste depois da chuva quando aconteceu. Vinha por algumas quadras, cabisbaixo, ruminando suas aflições vazias e suas dores brandas. Pisava indiferente nas poças d’água, ouvindo o chapinhar melancólico de sua caminhada solitária, enquanto a tarde caía por trás de seus sonhos. Seguia sem rumo certo, como que procurando se perder, mas também com o medo de se encontrar. Quando deu por si, tinha chego à rua velha da estação e não sabia como fora dar ali. Foi então que o tempo parou.

Como que por encanto, num jogo de espelhos intrínsecos, céu e chão tornaram-se um só. E como que um portal mágico para o infinito das horas, o relógio da torre, que alto no céu sempre esteve, estava agora no chão aberto e seus ponteiros eram mudos. Parado ante uma imagem do impossível, percebeu que todos ao redor também pararam. Tudo era estanque. O ar, as pessoas, a luz, o céu, o relógio e o tempo. Nada se movia. Nem mesmo ele, que a tudo via com assombrada nitidez, mas que nada podia fazer para mudar o curso imóvel das coisas. Chegou a pensar que tivesse morrido e aquilo era a morte, uma infinita exatidão de cores e imobilidade absoluta, para o além das eras, onde o tempo não existia. Não sentiu-se triste, então. Pela primeira vez em muitos anos, talvez pela primeira vez em sua vida, sentiu-se em paz. E quis que aquilo durasse mais que o tempo que já não durava, uma vez que o tempo não mais existia.

Contudo, o tempo é atroz e tinhoso, e acima de tudo inaprisionável. E consoante a vontade de que ele fosse eterno na sua imobilidade, ele era por natureza eterno em seu movimento. Percebeu, um pouco antes do fim de sua paz e de sua viagem no instante, que de fato nada nunca estivera parado. Nem o tempo, nem o relógio, nem a vida. Viu-se amargo na certeza de que vivera um breve retrocesso em si mesmo, e percebeu que dali nada mais seria diferente, ou igual. Sentiu-se por fim aliviado, quando se deu conta de que a tristeza e a solidão eram seu meio e seu fim, a razão e o objeto de sua consciência. Seu eu mais profundo, e também inaprisionável.

Até que o encanto se quebrou, o tempo se moveu e o relógio assomou suas horas. E ele seguiu seu rumo incerto, com sua bela tristeza e deliciosa solidão.

2 comentários:

Anônimo disse...

Adorei tanto a foto como o texto! Beijos!!!

Nathalya Buracoff disse...

Ai que coisa linda!!
A foto é incrível, e o texto traduziu a melancolia "enquanto a tarde caía por trás de seus sonhos".
Belíssimo!!

Beijos, rapazes