terça-feira, 25 de novembro de 2008

Por Trás do Altar


Foto: Ronaldo Júnior

Religiosamente, dia após dia, Santiago Sancho ajoelhava-se diante da virgem por trás do altar. Trazia nos olhos o mesmo perdão que pedia, na alma as mesmas chagas de que fugia, mas no corpo tão somente o viço da mocidade e as aflições de seu tempo-menino. Contava 19 anos e renitente buscava na casa do Senhor e na virgem do altar a remissão de seus muitos pecados. Pecados que não conhecia, mas os tinha, acreditava, apenas por existir. Assim lhe dizia a mãe, tirânica, que lhe ensinara as contas que rezava e que todos os dias lhe apontava o dedo acusador e condenatório. Reza tuas aves-marias e teus pais-nossos ou mais te castigará o Senhor, pois sois a vergonha de nossa casa, pois sois o filho danado, o acometido, o convulso, o que traz no bojo a baba derramada do demo. Assim então rezava Santiago, buscando humilde a paga por seus pecados, querendo livre-se de todo mal, perdoando a todos que lhes tem ofendido, pedindo o pão de cada dia, se desculpando por não ser santo o fruto do ventre de sua mãe. Não se cabia em si de culpa, Santiago, que na vertigem de suas rezas não se atrevia de vergonha e mal erguia cabeça para ver a santa, indigno que era. Nos olhos amargurados de culpa, muitas vezes as lágrimas que caiam secava-lhe a boca e faziam de seu murmúrio de ladainha uma aridez sem fim. A aridez da culpa e da vergonha. Até que morreu Santiago e com a morte cessaram as convulsões, as babas derramadas, a danação que do demo lhe atribuíam o pecado infindável. Morreu sem saber que não era possesso, que não era danado, que só era epilético. Morreu de desgosto, de corrosão. Morreu da erosão de sua alma estreita de culpa e pecado. Morreu por 200 séculos de tirania, maldade, superstição e hipocrisia. Morreu por ser santo, para muito tarde descobrir que ser santo de nada lhe servira. Morreu na ignorância de que a culpa é o pecado e o pecado é a culpa. Morreu sem saber que quando ia à casa do Senhor, o Senhor já não estava mais lá; que a virgem para a qual não olhava, tampouco olhava para ele.

2 comentários:

Nathalya Buracoff disse...

Ui, que lindo gente!
Adorei essa coisa de imagem traduzida!

Beijocas!

Ricardo Moreira Leite disse...

Ei, eu conheço essa igreja...

Perfeito, texto e imagem combinam perfeitamente.

Incrível blog!