domingo, 18 de janeiro de 2009

De Boa


Foto: Ronaldo Júnior

Aí eu penso, que merda é essa? Puta sol! Eu aqui vendo a brisa passar na escadaria do municipal. Bel prazer, falou outro dia o Mário que vende relógio ali no viaduto. Que eu fico aqui no bel prazer. Sei lá que porra é isso. To aqui na minha, curtindo um sol. Vagabundo, já falaram. Mas ta cheio de vagabundo ai atrás na sombra. Tudo enrustido, de calça e tênis, fingindo que ta procurando emprego. To de boa. Levei um ontem na fita e já mocozei a parada. Hoje to de férias. Depois vou ali comer uns grego e toma dois suco. Mas não vou no Alemão, não, que ele é folgado, fica olhando torto, diz que os cliente não gosta. Pau no cu dele, pensa que aquela merda é restaurante francês. Vou mais embaixo, no Lima. De lá já passo no mercadão e filo uma sobremesa nos caminhão. To de férias, mas essa praia não tem mar. Num vo paga pra turista de cair no chafariz. Deixa os moleque lá. Fico na minha, dou um role. De noite tomo um banho lá no albergue da juventude. Boto uns panos, desmocozo um, e colo nas putas ali do vale. Tipo playboy, pagando de puta no boteco. Depois arrepio um quarto ali na boca de porco, boto as pulga pra correr da cama. Vixe, vo vira os zóio em cima da puta. Uma horinha ta firmeza. To de boa. A fita rendeu. Se continuar assim fico rico, compro essa porra aí atrás e abro um puteiro aí dentro. Só madame e doutor vai entrar. Ou seja, não vai mudar muita coisa. Mas foda-se, hoje to de férias, deixa eu curtir meu sol. To de boa.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Luz e Sombra

Foto: Rogério de Moraes


O Sol Solene Sucumbi as Sombras
São Somente as Sobras de Suor e Sadismo
Cidade Caída
Cidade Cuja Crueldade Castiga os Cidadãos

Não só nas sombras escondem-se os Homens,
Não só na luz apresentam-se os Anjos.
Vive-se na aflição e no prazer
Morre-se por tão pouco a oferecer

Cidade Cuspida
Cidade pedida entre os calhordas e os omissos
Nada de Compromisso
Esse é o meu

E me escondo por caminhos retos
Por onde haja teto que me afaste da luz
No puro vazio cresce
No muro erguido resplandece

Segue a Cidade Suja
Imunda e inunda o mundo de caos
Engafinhando-se entre luz e sombra
Entre pó, pró e contra.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

A Fenda


Foto: Ronaldo Júnior

Espreitou pela fenda. Era um alto portão de ferro, sólido. No meio uma fenda. O portão era o elo único na solidez de uma muralha que se perdia rua acima, rua abaixo. Uniforme muralha que guardava por trás de si um mundo mitológico, imaginário e surpreendente que só podia existir na imaginação, no sonho e no improvável. O que a muralha guardava por trás de si era o mistério de um Olimpo habitado pelos que habitam os Olimpos do mundo: mortais que para além de outros mortais menos “olímpicos” transitam entre nós com a pompa dos deuses e as vestes dos homens. Aquele portão era a passagem para o outro lado, ainda que ele, ao espreitar a fenda, não sabia bem o que seria o lado de lá.

Mas conhecia bem o outro lado. O lado de fora do muro. O seu lado. E o que conhecia naquelas ruas era seus pés que não tinham asas, mas calos e bolhas e uma grossura áspera na sola de quem não tem jardins para caminhar. Conhecia o desafio diário de voltar para casa com algum dinheiro, paga pelos muito mais que 12 trabalhos que tinha na rua, onde os leões assassinos e aterrorizantes não se venciam facilmente. Conhecia os cruzamentos e os carros caros que ali paravam vedados por vidros escuros, herméticos para os olhos dos que como ele não conheciam o outro lado do muro. Conhecia sua morada sem muros, sem portões, sem fendas, aberta inteiramente ao mundo pelas muitas frestas na madeira e cerrada por uma tramela barata.

Contudo, ali, espreitando pela fenda, vivia a epifania de um vislumbre do outro lado, um lado que ele imaginava como nas novelas da TV, um lado que vivia na sua imaginação de capas de revistas, nas fotos de página inteira da curiosidade medíocre dos que vêem caras nas bancas de jornais; e o vazio estéril da fascinação por um mundo tão estéril quanto seu próprio vazio em caras de capas de revistas.

Mas não compreendia nada disso, e a fenda que se abria no portão era a mesma fenda que se fechava em seu cotidiano. Apenas experimentava sua descoberta imediata e sentia o fascínio pelo mistério revelado por detrás do portão, com um novo mistério adjacente para o que podia ser além das escadas e arbustos que a fenda revelava.

Depois sentiu cansaço e fome. Afastou-se da fenda e partiu rua abaixo, olhando para o alto do muro que o acompanhava como um vigilante atento e hostil. Foi-se, faminto a cansado, mas feliz pela sorte de ter pescado com os olhos curiosos um pedaço de um mundo que não conhecia, mas que tanto sonhara. Um mundo que só existia do outro lado daqueles muros, daquela portão, daquela fenda. Uma fenda que se abria para o inalcançável, uma fenda que se abria para o que a vida, desde sempre, lhe fechara.